sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cenas machistas do próximo capítulo

"Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer
Porém na psique da mulher
Destruímos a mulher."
Tom Zé

Nunca foi um problema para mim dizer que gosto de novela. Sim, gosto. É um momento onde esvazio a minha cabeça e não penso em nada, coisa difícil em um mundo com tanto trabalho e luta pela frente, como o mundo de hoje em dia. Não é por isso que deixo de concordar com o papel alienante que as telenovelas cumprem na sociedade brasileira, e como elas reproduzem, de forma estereotipada e exagerada, as opressões e as explorações que afetam as mulheres brasileiras diariamente. Por isso não deveria me assustar com o André (Lázaro Ramos), de Insensato Coração, a nova novela das oito da Globo. Mas insisto em me indignar.

O André é o cara que, segundo o autor da novela, todas as mulheres gostariam de passar uma noite. De um jeito sedutor, ele conquista todas as mulheres que deseja, e todo capítulo ele leva uma para seu apartamento. Essas cenas todas terminam com as mulheres loucas para vê-lo mais uma vez, ou com elas torcendo para ele pedir seus telefones. Mas ele não pede, e "honestamente", "joga limpo" com elas, dizendo que não repete transas. Após isso, aparecem cenas dele contando vantagem com os amigos, sobre como as mulheres se derreteram com ele ou como a mulher X ou Y agora persegue ele, ou não tira ele da cabeça. Ele não quer se relacionar com as mulheres, mas apenas marcar mais um número em seu caderno de anotações.

É triste ver o Lázaro Ramos, ator que sempre admirei por suas interpretações e posições políticas, fazendo um papel tão deplorável. Não só na forma como se refere ou como se relaciona com as mulheres, como se nós fôssemos apenas prestadoras de serviços pontuais a eles e seus amigos homens, mas da forma como enxerga e trata nós mulheres, como verdadeiras prostitutas. Nesta lógica, não interessa o nome da mulher, quem ela é, ou o que ela faz, mas sim que ela ofereça um bom serviço em seu apartamento com vista para o mar na Zona Sul do Rio de Janeiro, e fim. Fim não, porque vejam só como ele é bonzinho, ele paga o táxi da volta para casa das mulheres. Quer relação mais mercantilizada que esta?

A sociedade capitalista consegue naturalizar o abominável. A crítica deste texto não é moralista, mas sobre confusão feita entre ser liberal e ser libertária. Para nós, mulheres femistas, não pode servir um modelo liberal de relacionamento, que nos trate como objeto, pois isso sempre foi assim, historicamente. Nem nos serve mais a velha história dos contos de fadas. O que nos vale, é que nossas relações sociais e sexuais sejam baseadas em valores de solidariedade, e não de reprodução da economia capitalista, em que até as relações sexuais se tornaram mercadoria. Certíssima está a gloriosa feminista Alexandra Kolontai, quando fala da necessidade de praticarmos o amor-camaradagem, baseado no afeto, na liberdade e no companheirismo. Só este porá um fim a servidão das mulheres pelo homens.

Exemplos como estes, e outros muito piores, estão no dia-a-dia das programações televisivas de nosso país, seja em novelas, em reportagens ou em programas de auditório, onde estamos sempre marginalizadas e mercantilizadas. Nossa tarefa não é fácil, mas temos que seguir em frente. Rompendo não apenas com o machismo, pois este é impossível de se romper sozinho, mas também com o monopólio dos meios de comunicação e com a ausência de participação popular na formulação da programação televisiva do nosso país. Reafirmar que, para mudar a vida das mulheres, uma outra comunicação inclusiva e libertária se faz urgente, pois só mudando o mundo que mudamos as nossas vidas.

*Talita São Thiago Tanscheit é estudante de Ciências Sociais da PUC-RIO e militante do Coletivo de Mulheres da PUC-Rio, da Marcha Mundial das Mulheres e da Kizomba Lilás.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Um convite a ser mais livre

“Livre” é um adjetivo usado pra qualificar e definir, por exemplo, a cultura, a música, o trabalho, o mercado, a associação, o software, as relações, os povos, as pessoas…
Dar mais conteúdo ao “livre”, articulando vários aspectos da liberdade é um desafio e tanto, que não é necessariamente interessante pra tudo que se define como livre. O livre mercado dos EUA e das transnacionais, por exemplo, se chama de livre, mas (além de depender – e muito – dos Estados), se baseia na exploração do trabalho dos povos e no controle da biodiversidade e dos nossos territórios.
A “música livre” pode ser mais livre do que só das gravadoras e do ECAD.
O objetivo desse post é tentar contribuir com o debate sobre música livre, especificamente com o processo de construção do festival internacional de música livre, mesmo sendo só uma ouvinte. Assim como eu, tem muita gente que quer que a música livre contribua, ativamente, com a liberdade das mulheres. E por isso, já dissemos em alguns lugares que a música também tem que ser livre do machismo.
E, por que apostar que este – e não outro – processo de construção pode incorporar essa perspectiva, que é feminista?
Primeiro porque no principal movimento que impulsiona este festival (o MPB) tem pessoas, coletivos e bandas explicitamente feministas, ou que apoiam de alguma forma o feminismo. E porque a definição em torno da qual se organiza a proposta do festival se orienta a transformar estruturas marcadas pelo monopólio e concentração de recursos e poder, e a construir alternativas mais horizontais e democráticas. Além de ser um processo construído de forma ampla e aberta. E que é contra hegemônico. E está escrito na convocatória do lançamento que a inclusão das mulheres é um aspecto do festival =)
Tudo isso não significa que o festival vai automaticamente incorporar de forma ativa uma perspectiva feminista, mas é um processo que já tem a faca e o queijo na mão.
O discurso, que já existe, tem que ganhar forma e se transformar em prática.

Mas, por que mesmo???

Primeiro porque a organização da música livre se dá em uma sociedade que ainda exclui e discrimina as mulheres, uma sociedade que é ao mesmo tempo machista, racista e homofóbica. E qualquer iniciativa que a gente tenha nesse mundo, aqui e agora, pode reproduzir, mesmo de forma inconsciente, desigualdades e discriminações que dominam as nossas relações, que são valores hegemônicos.
A gente pode identificar alguns mecanismos machistas desse mundo de hoje e ver como se refletem na música.
  1. Separação do que é trabalho de homem e trabalho de mulher, que a gente chama de divisão sexual do trabalho. É o mecanismo que historicamente exclui as mulheres do mundo público e que faz com que ainda haja uma super desigualdade salarial no Brasil. Mulheres ganham em média 67% do salário dos homens, as mulheres negras ganham menos que as mulheres brancas. Isso também acontece no mundo da música? Operador de luz, de som e holdies costumam ser homens, enquanto as mulheres geralmente costumam fazer maquiagem, cuidar do figurino d@s artistas e ficarem bonitas na porta recepcionando convidad@s. E quem toca bateria e guitarra? Na maioria das vezes, são homens. A gente sabe que não é por ter menos capacidade pra tocar instrumentos (e se você ainda achar isso, olha como você tá equivocado: Anne Paceo, Ellen Oléria, Esperanza Spalding, Some Community…). Então… até tem, mas são poucas mulheres instrumentistas. Por que??? E como muda isso?
  2. Mercantilização do corpo das mulheres – tá presente nas propagandas de cerveja, na indústria do turismo sexual – em qualquer lugar que as mulheres sejam tratadas como mercadoria, julgadas e “valorizadas” a partir do seu corpo. E no mundo da música? Tem uns grupos musicais que tocam no Faustão em que o único espaço da mulher é dançando de shortinhos, e tem que ter corpão. Muitas meninas que tocam em banda relatam que no palco são julgadas não pela música que fazem, mas pelo corpo, e por serem mulheres - fiu fiu, gostosa, etc é mais comum do que elogios ou críticas às mulheres pela sua produção como artistas.
  3. Violência contra a mulher. A cada dois minutos, cinco mulheres são vítimas de violência no Brasil. 16% de mulheres já levaram tapas, empurrões ou foram sacudidas, 16% sofreram xingamentos e ofensas recorrentes devido a sua conduta sexual e 15% foram controladas a respeito do local aonde iam e com quem sairiam. Além disso, 13% sofreram ameaças de surra e 10% já foi de fato espancada ao menos uma vez na vida. A violência sexista, além da agressão física, pode ser de várias formas. E isso tem na música? O exemplo mais forte que vem na cabeça são as letras de música que legitimam a violência e desqualificam as mulheres, tipo “um tapinha não dói”, ou “Eu tô achando que esta mulher danada Ficou mal acostumada e tá gostando de apanhar Ajoelha e chora”, ou “Quero uma mulher que saiba lavar e cozinha, que de manhã cedo me acorde na hora de trabalhar”, ou “mulher finge bem, casar é negócio”, ou “Subi no muro do quintal e vi uma transa que não é normal. E ninguém vai acreditar, eu vi duas mulher botando aranha prá brigar… vem cá mulher deixa de manha minha cobra quer comer sua aranha” …. 

A música pode ser livre do machismo!


E a convocatória do Festival aponta pra isso, ao afirmar que

(…)Observamos uma histórica segregação das mulheres em determinados espaços na sociedade, da qual deriva a situação de discriminação, invisibilidade e desvalorização da produção das mulheres presente, ainda hoje, também no âmbito da cultura. Queremos, através do Festival, contribuir para a inserção das mulheres em todas as etapas do processo de produção cultural.

Então, aqui vão umas ideias soltas que podem servir pra cumprir esse objetivo:
O machismo poderia ser um assunto presente nas discussões preparatórias do festival. Só de ser um assunto, isso passa a ter visibilidade, e vira uma questão que não pode ser ignorada. Como o machismo se reproduz na música e na cultura? Como é possível combatê-lo? O feminismo também pode ser um assunto =)
Poderia ter espaço pra aprender com as experiencias de festivais organizados com o objetivo de inserir as mulheres, como o mulheres no volante, o festival da mulher afro latinoamericana e caribenha, ou com a organização das mulheres no Hip Hop, enfim, tem várias experiencias. No Brasil e fora do Brasil – já que o festival é internacional. Um exemplo é a Gals Rock. Cada grupo que organiza estes espaços tem um monte de acúmulo pra socializar.
Poderia ter um incentivo concreto pra participação das mulheres. Na política, existem cotas mínimas para as mulheres, como uma ação afirmativa. E no festival da música livre, o que pode ser? Dá pra fazer um esquema tipo as cotas? Ou algum compromisso concreto de inserção das mulheres, oficinas específicas pra mulheres, ou outra forma que a criatividade coletiva inventar. E aí é legal pensar em todas as etapas da produção, e todas as partes que compõem o festival: as bandas, as produtoras, as técnicas, as debatedoras nas mesas, etc, etc, etc.
Poderia ter uma atividade preparatória que faça o debate sobre as mulheres na música, sobre música livre do machismo…
Já que o Festival faz referencia ao Forum Social Mundial, poderia ter alguma coisa parecida com a Politica de igualdade, proposta pela Marcha Mundial das Mulheres e a REMTE, e aprovada no FSM. Entre as definições dessa política estava a declaração do FSM como um território livre da violência contra a mulher.
Poderia ser critério pros patrocinadores ou fornecedores de cerveja a não mercantilização do corpo das mulheres em sua publicidade.

Poderia ser um monte de coisas, mas pra ser assim, tem que ser um objetivo do festival que a música livre também seja livre do machismo, contribuindo assim pras mulheres serem mais livres nesse mundo.
Querer-se livre é também querer livres os outros.
Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.
(Simone de Beauvoir)

Post da Tica Moreno, militante da MMM em São Paulo.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Convocatória – Lançamento do Festival Internacional de #MusicaLivre – #FimLivre #CulturaDigital #Feminismo

Nós do movimento Música Para Baixar (MPB) compreendemos a música não apenas como entretenimento mas como uma forma da  liberdade de expressão de ideias e sentimentos humanos. A falta de transparência na distribuição de recursos advindos da produção e o acesso intermediado por monopólios não contribuem para a diversidade musical brasileira tampouco para uma maior geração de renda dos artífices envolvidos na cadeia produtiva da música.
Vivemos um momento de definições do que é acesso e produção de música. As novas tecnologias, atualmente por terem a capacidade de ampliar as possibilidades de democratização da comunicação, da música e do conhecimento, atravessam um processo de ataques institucionalizados de diferentes setores que acirram a vigilância e o controle sobre o ambiente digital. Leis que regulamentam a circulação de conhecimentos e de propriedade intelectual são cada vez mais rígidas e engessam, por sua vez, as possibilidades criativas, com nítidos objetivos de determinar o que será consumido como cultura.
Ao mesmo tempo, observamos uma histórica segregação das mulheres em determinados espaços na sociedade, da qual deriva a situação de discriminação, invisibilidade e desvalorização da produção das mulheres presente, ainda hoje, também no âmbito da cultura. Queremos, através do Festival, contribuir para a inserção das mulheres em todas as etapas do processo de produção cultural.
O Festival Internacional de Música Livre (#FimLivre) será um espaço de mostra musical e debates, em que valores como colaboração, flexibilização das leis de direito autoral,  generosidade intelectual, ativismo, troca, criação livre, licenças  livres, redes sociais digitais e produção compartilhada serão elementos a serem discutidos enquanto novas possibilidades que integram a produção musical e desenvolvimento local. Representam um momento único de reapropriação da música, arte, tecnologia e comunicação colaborativa, por todas e  principalmente par aqueles que até agora foram excluídos do acesso à criação, produção e apreciação da música.
Reconhecemos o apoio e parceria do Governo do Estado do RS que, através do Gabinete Digital do Governador Tarso Genro, constrói o #FimLivre de forma colaborativa com ativistas da cultura e música digital, para que nesse processo possamos também elaborar políticas públicas para o desenvolvimento de uma sociedade livre para o bem comum, em que a mais pessoas participem desse processo, efetivamente, desde sua concepção até sua implementação.
O desafio também é pensar políticas públicas que considerem as práticas da internet, que organizem cadeias produtivas e modelos de criação, produção e apreciação da música, que fomentem relações sociais, culturais e econômicas justas e transparentes, sem intermediários, para que exista cada vez mais equilíbrio entre remuneração justa d@ criador(a) e gestor(a) das suas obras e o livre acesso aos cidadãos.
Sob essas perspectivas, o Movimento Música Para Baixar convoca organizações, coletivos e indivíduos para lançamento #FimLivre, que acontecerá na Casa de Cultura Mário Quintana, no dia 13 de abril às 16h em Porto Alegre.
O lançamento do #FimLivre é também parte da programação do Festival IberoAmericano “EL MAPA DE TODOS” que acontecerá nos dias 12, 13 e 14 de abril, em Porto Alegre, com participação de artistas de diversos países. Saiba mais: http://www.elmapadetodos.com.br
Serviço:
O que? Lançamento do Festival Internacional de Música Livre – #FimLivre.
Onde? Casa de Cultura Mário Quintana – Porto Alegre
Quando? 13 de abril às 16h.

O lançamento será transmitido pela internet. O endereço da transmissão será informado neste link: http://openfsm.net/projects/fimlivre/blog/ e nas redes sociais.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Gênero em Movimento: Ciclo de filmes e debates


Ciclo de filmes realizado pela Kiwi Companhia de teatro/Cooperativa Paulista de Teatro em parceria com Cinemulher e com apoio do Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir e do Centro Cineclubista de São Paulo. Confira a programação 

Bajo Juarez. Laciudad devorando a sus hijas, de Alejandra Sánchez e José Antonio Cordero (México, 2007), 96 min. Documentário sobre a morte de mais de 400 mulheres durante os últimos 15 anos em Ciudad Juárez, uma vila de operárias na fronteira com os Estados Unidos. O filme dá a palavra às parentes das mulheres assassinadas, às mulheres que vivem em Juárez sob ameaça constante de violências e às jornalistas que procuram revelar a verdade por trás destas mortes. 
Debate com Amelinha Teles, fundadora da União de Mulheres de São Paulo 
Dia: 06 de abril (quarta-feira), 19h. 

El dia que me quieras, de Florence Jaugey (Nicarágua, 1999), 61 min. O cotidiano de mulheres policiais e assistentes sociais dentro de uma delegacia de mulheres e da infância em Manágua. 
Debate com Coletivo Dandara da Universidade de São Paulo 
Dia: 07 de abril (quinta-feira), 19h. 

Amores de Rua, de Eunice Gutman (Brasil, 1994), 46 min. Documentário que aborda a sexualidade e direitos civis das prostitutas do Rio de Janeiro. 
Debate com a cineasta Eunice Gutman e representantes da Marcha Mundial das Mulheres 
Dia: 08 de abril (sexta-feira), 19h. 
LOCAL: Câmara Municipal de São Paulo (Plenarinha) 
Viaduto Jacareí, 100 - Bela Vista, São Paulo (metrô Anhangabaú) 

Fala mulher!, de Graciela Rodriguez e Kika Nicolela (Brasil, 2005), 80 min. Documentário em que quinze mulheres afrodescendentes falam sobre suas vidas, todas têm em comum a paixão pelo samba. No cotidiano, são manicures, domésticas, secretárias, cabeleireiras e professoras batalhando pela sobrevivência. 
Debate com Graciela Rodriguez, cineasta e integrante do Grupo teatral TUOV e Kika Silva, fundadora da Organização de mulheres negras Oriashé e integrante do Fórum Estadual de Mulheres Negras de São Paulo. 
Dia: 09 de abril (sábado), 18h30. 
LOCAL: Centro Cineclubista de São Paulo (CECISP) 
Rua Augusta, 1239 - cj. 13/14, Centro, São Paulo 
Este ciclo faz parte do projeto Carne – Patriarcado e capitalismo (2010-2011), desenvolvido pela Kiwi Companhia de Teatro com o apoio do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo.